AMEAÇAS À VIDA : OPORTUNIDADES PARA REVER CRENÇAS E PENSAMENTOS - Gláucia Rezende Tavares


O que leva uma profissional, após 15 dias de férias, decidir passar uma semana em São Paulo estudando Cuidados Paliativos?
      Em tempos de tanta pressa, qual o valor de se fazer pausa para ler, estudar, observar e compartilhar conhecimentos?
      O dicionário nos mostra que cuidar é reparar, atentar para, prestar atenção.
      Ainda há uma forma antiga que compreende os Cuidados Paliativos como o momento de “jogar a toalha”,  ter sido  vencido pela doença e de não se ter mais nada a se fazer pelo doente.
      Nós, profissionais de saúde, fomos treinados a curar e quando nos deparamos com as doenças crônicas, incuráveis ou em momentos que ameaçam a vida, podemos experimentar sofrimento moral.
      Há um descompasso entre o que se está fazendo e o que se espera que seja feito. O oposto complementar ao descompasso é compassivo. É o que tem ou revela compaixão; que se compadece; condolente. A compaixão aponta  uma  sensibilidade  que se traduz em disposição para contribuir para o alívio ou diminuição do sofrimento do outro. A sensibilidade se caracteriza por perceber o óbvio e sentir o sutil.
      Paliar, de forma cuidadosa tem a ver com qualidade de encontro entre pessoas. Requer o exercício de uma escuta profunda, com a intenção de favorecer para que as pessoas sofram menos.
      A tarefa desafiante é a de reconhecer que, mesmo diante da impossibilidade da cura, há muito o que se fazer com recursos técnicos e emocionais disponíveis.
      Há um horror de vivermos desafios  de forma isolada, solitária. Faz toda diferença vivê-los de maneira solidária. Na solidariedade há responsabilidade recíproca, há a prática colaborativa em torno do que é o interesse comum e uma atitude de interdependência.
      Se o cuidado ao outro for compreendido como um exercício vaidoso de poder, essa atitude estará deturpada. Vale entender que a intenção do cuidar não é para autopromoção, benefício próprio ou garantir um pedaço do céu. A intenção do cuidar é em nome de um bem comum. Ao cuidar bem do outro, estamos também cuidando de nós. A competência para cuidar do outro só estará presente se soubermos cuidar bem de nós.
      Podemos  fazer  acontecer  esse apoio necessário por meio de orientações clínicas compreensíveis. Comunicar de forma límpida, tecendo uma parceria  com o paciente e a família. Vale rever as mudanças que já ocorreram, outras que estão em processo e outros movimentos que virão. Essa visão é denominada como luto antecipatório e requer flexibilidade para revisão dos protocolos.
      Diante das ameaças reais é possível que se teça uma invisível rede de cuidados restauradores que se manifestam em comunicações honestas e ações corriqueiras, que trazem um “curativo interacional”, permitindo conforto e alívio de sofrimento.

Gláucia Rezende Tavares
 Psicóloga clínica, mestre em Ciências da Saúde
 pela Faculdade de Medicina da UFMG
@glauciatavares.psico
www.facebook.psico
(31)99865-0538


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